segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

                                                             O Primeiro Escárnio


Alexey morreu. Não imaginava que daquele barranco a queda seria tão alta, nem que o carro demoraria tanto para parar. Atolar não ajudou muito. As rodas fundas na areia seca e estaladiça foram um problema que acabou levando a um erro terrível, mesmo com toda a experiência que ele tinha em dirigir bêbado. Na hora de dar a ré, ele acelerou para frente. O carro desatolou por algum milagre (ou maldição) e, o resto, vocês já podem imaginar: uma queda livre de 200 metros para o inferno. Não era uma queda tão livre assim, e o destino não foi exatamente o inferno. Acordou com o raiar do sol abafado na cara seca em um dos piores prostíbulos da cidade. Percebeu algo branco em seu nariz e um colega de quarto ao seu lado que, por alguma razão, parecia detestável.

 - Bom dia Alexey. Mais um dia infeliz que tenho que passar ao seu lado.

- Quem é você? – Perguntou nosso previamente morto amigo.

- Não é hora de gracinhas, seu merda. Apenas levante e tire o pó do nariz.

 “Eu mataria esse cara”, pensou Alexey. Resolveu que o melhor era levantar, mesmo sem lembrar de nada. As coisas estavam confusas e não recordava de fazer uso daquele tipo de droga. Imaginou que deveria haver alguma arma no local. Bingo! Na gaveta da escrivaninha quebrada, uma pistola calibre .38 o aguardava. Não haviam muita razão para ter uma escrivaninha num puteiro, mas esse fato foi, por ele, relevado.

 Já do lado de fora, 3 putas o aguardavam com testes de gravidez na mão. Negativos. Era um bom dia para as putas. Ele teria, ainda, que descobrir qual era seu papel naquele lugar moribundo, mas uma briga entre dois pirralhos na frente do estabelecimento o interessou mais. Observou enquanto um dos seguranças metido a engraçadinho gritava com os moleques:

 - Parem com essa merda!

- Vá se foder! – Gritou um dos pirralhos.

 O garoto mais alto, que parecia ter mais juízo – se é que há algum juízo em alguém que briga na frente de um puteiro – percebeu que o segurança estava armado. Tentou parar a briga dos dois com alguns gritos apassivadores: “Para com essa merda que o filho da puta tá armado! ”. O garoto mais novo entendeu aquilo, mas não se preocupou muito.

- Segurança de bosta precisa de arma pra se defender. – Cuspiu o garoto mais novo.

- Venha aqui, seu pirralho de merda. -

Crack!

 Os gritos de dor do garotinho se espalharam pelo local, mas não parecia ter ninguém muito incomodado com isso. O braço quebrou facilmente com a coronhada dura da arma e havia sangue. Os garotos foram embora enquanto o segurança brincava de apontar a arma para os dois.

- Mas por que porra você fez isso!? – Perguntou Alexey, atordoado com a situação.

- Ninguém se importa com eles. Aqui eu resolvo os problemas do meu jeito. Você cuida dos seus negócios, contador. –

- Você não pode fazer isso, porra! –

- Não posso? Você me conhece. –

 Alexey percebeu uma quantidade enorme do que considerou ser cocaína nos bolsos do segurança. Seu nariz sangrava.

- E esqueci de te falar uma coisa. Ninguém me chama de filho da puta –

Bang.

 O tiro acertou em cheio o garoto mais alto no meio da cabeça. Sangue jorrou cinematograficamente e um orifício se fez, o qual não pôde ser observado por muito tempo porque a queda para frente foi brusca. Caiu de cara em um buraco enorme que separava a ladeira da pista.

- Há! Pelo menos acertei no buraco dessa vez! –

 O segundo tiro demorou um pouco mais para acontecer. A hesitação nas mãos de Alexey só foi vencida por um momento de coragem ao lembrar de como odiava assassinos de crianças, por alguma razão. No peito, o sangue abriu-se como uma flor e o segurança caiu. Ninguém ao redor. Não exatamente.

- ALEXEY, O QUE PORRA VOCÊ FEZ? –

 O maldito colega de quarto apareceu na porta que dava para a rua. Trazia uma caixa de cigarros nos bolsos, um acesso na boca. E uma faca na mão.

- Mikhael, afasta-se. – O nome daquele por quem nutria tanto ódio surgiu na cabeça de Alexey. Seu reflexo nos vidros do carro preto que o separava de sua quimera, um homem negro de olhos verdes, aparentando ter uma força extrema por debaixo do casaco, causou um breve momento de dejá-vu. Já havia vivido aquele momento antes? Não chegou a conclusão alguma. É difícil pensar quando alguém pula com uma faca em sua direção.

- Eu vou te matar Alexey! Também! –

 Também. Aquela palavra ressoou na cabeça do homem armado enquanto, por reflexo, sua arma subia em direção a Mikhael. O tiro o atingiu na perna, mas um pouco tarde demais. A faca no peito ardia mais do que o esperado.

 - Filho da puta! Minha perna! Peguem Alexey! –

 Dois homens pareceram finalmente notar o que estava acontecendo, ao longe. Não havia muito a fazer, se não: correr. Lembrou-se de um caminho que dava para as dunas. Os homens pareceram se preocupar mais com o cenário sangrento que fora criado na frente do Joana’s. “Negócios em primeiro lugar”, pensou Alexey. A noite estava chegando e não sabia muito o que fazer, se não descansar. A dor no peito parara em sua intensidade, o corte foi superficial. Resolveu que o melhor a fazer seria dormir e procurar a cidade ao amanhecer. Adormeceu com a areia formigando embaixo de si. Essa escolha foi, de forma sucinta, um grande engano.

 - Como se sente agora, seu verme? –

 Uma nova dor na parte superior da cabeça tornou-se surpreendente demais. Os braços não se mexiam, muito menos as pernas. Na hora que ouviu aquela risada, soube do seu destino.

- HAHAHA Vejam! A bela adormecida percebeu que levou uma porrada um pouco forte demais HAHA... Eu deveria ter pegado um pouco mais leve, né, caras? –

- O que vamos fazer com ele agora? –

- Parem com isso! O maldito segurança tinha matado um moleque! – Berrou Alexey com o restante da voz que sobrava.

- Ah, é mesmo gente! O Alexey não gosta que matem os pequenos vermes. Lembra alguma coisa que eu fiz, meu amiguinho? Tenho uma surpresa pra você, seu destino vai ser comer areia também! –

Também. Finalmente alguma coisa tocou na sua memória. Mikhael havia matado alguém muito amado por ele. Mas quem? QUEM? Sua cabeça doía demais para pensar e estava enterrado.

- Posso dar um tiro nele, Miko? – Perguntou um dos homens de Mikhael, já com a arma apontada.

- Tenho uma ideia melhor. Veja! –

 O chute no maxilar com aqueles sapatos duros e prateados foi o bastante. A dor excruciante dominou Alexey de uma maneira que não conseguiu pensar muito bem. E a areia começou a entrar.

- Vamos ver por quanto tempo ele consegue fechar a garganta HAHAHA! –

 Mais e mais areia descia e seu corpo começou a arder por dentro. Não devia acabar assim. Como vingaria seu irmão? Espera! Seu irmão!? As coisas ficaram mais confusas e, aos poucos, mais escuras. A última coisa que viu ao longe foi um homem negro. Seu caximbo soltava fumaça interminavelmente. Aquela visão dominou-o pelo que pareceu ser uma eternidade, mas mal tinham passado alguns segundos. O olhar. O que queria dizer aquele olhar? Ele não parecia... Humano. A fumaça cinza penetrou seus olhos. E depois, tudo ficou escuro. De vez.

- Alexey, acorda, rápido. – Sussurrou um homem com uma farda que parecia militar. Havia gelo ao redor e o frio na espinha parecia ter sido soprado pelo próprio Diabo.

- Onde estou? -

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